domingo, 10 de outubro de 2010

Aracne




Minerva (Arena), a deusa da sabedoria, era filha de Júpiter, Além de padroeira das artes úteis e ornamentais, tanto dos homens - como a agricultura e a navegação - quanto as das mulheres - como a fiação, tecelagem e trabalhos de agulha -, era também uma divindade guerreira: só protegia, porém, a guerra defensiva, e não simpatizava com o selvagem amor de Marte (Areu) pela violência e derramamento de sangue. Atenas era seu santuário, sua cidade, que lhe fora oferecida como prêmio de uma disputa com Netuno (Posseidon), que também aspirava a tal glória.

Houve, porém, outra competição em que uma mortal se atreveu a concorrer com ela. Essa mortal foi Aracne, uma donzela que atingira tal perfeição na arte de tecer e bordar, que as próprias ninfas costumavam deixar as grutas e fontes para ir admirar seu trabalho, que era belo não somente depois de feito, mas também ao ser feito. Dir-se-ia que fora a própria Minerva a sua mestra, quando se observava como pegava a lã para formar novelos, ou separando-a com os dedos e cardando-a até que se tornasse leve e macia como uma nuvem, ou então tecendo um pano e enfeitando-o com os seus bordados. Mas ela negava, não querendo ser discípula nem mesmo de uma deusa, e dizia: “Que Minerva compare sua habilidade com a minha”.

A deusa ouviu essas palavras e ficou indignada. Por isso, tomando a forma de uma velha ela procurou Aracne e aconselhou-a. “- Tenho muita experiência e espero que não desprezes o que lhe digo. Desafia os mortais como tu, mas não te atrevas a competir com uma deusa. Ao contrário, recomendo que te desculpes pelo que disseste, e, como a deusa é misericordiosa, talvez te perdoe”. Ao ouvir tais palavras, a moça interrompeu o trabalho que fazia, encarou a velha e respondeu visivelmente irritada: “- Trata de dar conselhos às tuas filhas e servas, pois quanto a mim, sei o que dizer e o que fazer. Não tenho medo da deusa, portanto, que ela mostre sua habilidade, se por acaso se atrever”. Minerva então retrucou, livrando-se do disfarce: “- Ela aqui está”.

As ninfas curvaram-se, reverentes, assim como todos os demais presentes. Apenas Aracne não se atemorizou. Na verdade, um rubor coloriu-lhe as faces, que em seguida tornaram-se muito pálidas. A jovem, porém, manteve-se firme, e levada pela louca confiança em sua habilidade, enfrentou o destino. Minerva, esgotada a paciência, já não lhe deu novos conselhos.

As duas iniciaram a competição. Cada uma toma sua posição e coloca o fio no tear. Ambas trabalham com rapidez, suas ágeis mãos movendo-se céleres, e o ardor da disputa torna leve o trabalho. Os fios purpúreos contrastam com os de outras cores, que confundem seus matizes de tal modo que os olhos não percebem onde se unem. Como no longo arco que colore o céu, formado pelos raios de sol refletidos na chuva, no qual as cores combinadas, quando se juntam, parecem a mesma, mas a pequena distância do ponto de contato são inteiramente diferentes.
Minerva bordou em seu tecido a cena de sua disputa com Netuno. Estão representados doze dos poderes celestes. Júpiter (Zeus), com augusta gravidade, se acha sentado no meio. Netuno, senhor do mar, segura o tridente e parece ter acabado de golpear a Terra, da qual saltou um cavalo. A própria Minerva apresenta-se com o elmo na cabeça, o peito protegido pelo escudo. Assim era o círculo central: nos quatro cantos estavam representados incidentes mostrando o descontentamento dos deuses com mortais presunçosos que se atreviam a concorrer com eles. Eram advertências de Minerva à sua rival, no sentido de desistir antes que fosse demasiadamente tarde.

Aracne escolheu para seus bordados assuntos destinados a provar os enganos e erros dos deuses. Uma cena representava Leda acariciando o cisne, sob cuja forma Júpiter havia se disfarçado; outra, Danae, na torre de bronze em que seu pai a havia aprisionado, mas onde o deus conseguiu penetrar sob a forma de uma chuva de ouro. Outra, ainda, mostrava Europa, iludida por Júpiter sob a forma de um touro. Encorajada pela mansidão do animal, Europa aventurou-se a cavalgá-lo e Júpiter, então, entrou no mar e levou-a a nado para Creta. Tinha-se a impressão de que era um touro de verdade, tamanha a naturalidade e realismo com que estavam representados ele, ela e a água em que nadavam. Europa parecia olhar com ansiedade para a praia de onde saíra e pedir socorro às suas companheiras. Mostrava-se horrorizada com as ondas e encolhia os pés, para afastá-los da água.

Aracne cobriu o pano com tais bordados bem-feitos, mas deixando patente sua presunção e impiedade. Minerva não pôde deixar de admirar, mas sentiu-se indignada com o insulto. Investiu contra o tecido e fê-lo em pedaços. Em seguida, encostou a mão na fronte de Aracne, fazendo-a sentir-se culpada e envergonhada, a tal ponto que, não podendo mais suportar, enforcou-se. Minerva compadeceu-se dela ao vê-la pendurada em uma corda, e por esse motivo exclamou: “- Viva, mulher culpada! E, para que seja conservada a lembrança desta lição, continuarás pendente, tu e toda a tua descendência, por todos os tempos futuros”.

Aspergiu-a com o suco de acônito (planta venenosa utilizada na antiguidade para ungir as pontas das flechas antes de ir à caça), e imediatamente seus cabelos caíram, do mesmo modo como desapareceram o nariz e as orelhas. Seu corpo encolheu e sua cabeça tornou-se ainda menor; os dedos colaram-se aos flancos, transformando-se em patas. Todo o restante dela mudou-se no corpo do qual ela tece seu fio, suspensa na mesma posição em que se encontrava quando Minerva a tocou e metamorfoseou em aranha.


Fonte: Livro de Ouro da Mitologia, de Thomas Bulfinch

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